Governo do Estado do Espírito Santo
21/02/2019 16h46 - Atualizado em 21/02/2019 16h47

Um dia que não acabou e nunca acabará

Um dia, eu fui um soldado; não foi um dia qualquer. Foi um dia de mais de duzentas e setenta mil horas; um dia que beirou trinta e um anos.

Enquanto esse dia durou, vesti todas as fardas previstas no regulamento da Polícia Militar do Espírito Santo.

No raiar desse dia, despertei com o som da corneta entoando o toque da alvorada; vinquei a farda e engraxei o coturno; marchei nas formaturas e nas longas jornadas fora dos quartéis; transpirei nas instruções de Treinamento Físico Militar com as suas "corridinhas" e a sua ginástica básica; estudei e treinei exaustivas e metódicas técnicas e táticas de sobrevivência para superar os obstáculos que as hostis ruas das cidades me apresentariam; fortaleci dogmas ensinados na minha família e os carreguei sempre comigo para nortearem as minhas futuras decisões.

Passados os momentos iniciais daquele dia, senti-me pronto e, então, patrulhei aquelas ruas hostis para as quais eu havia me preparado e fiz rondas madrugada adentro; entrincheirei-me para proteger-me da metralha dos inimigos da sociedade; entrei em formação para conter depredações e rebeliões em presídios; amparei nos meus ombros companheiros(as) feridos(as) nessa luta diária, incompreendida e, às vezes, inglória; consolei mães, esposas(os) e filhos de companheiros(as) que tombaram no cumprimento da missão; protegi, amparei e socorri pessoas que sequer sabia os seus nomes.

Por fim, finalizei esse dia nas angústias das ações de retaguarda, ações essas tão importantes quanto aquelas que eu havia desenvolvido nas linhas de frente; providenciei o colete balístico para proteger órgãos vitais à vida do meu combatente que lá estava enfrentando as mazelas que enfrentei; planejei instruções e estudei novas táticas de modo a minimizar os riscos que ele(a) corria naquelas mesmas ruas que outrora patrulhei; cuidei dos seus assentamentos funcionais e analisei critérios para a sua merecida promoção; orientei-o para que não fizesse equivocadas escolhas e o afastei da convivência de falsos companheiros; substituí a velha viatura que não mais o protegia adequadamente e lhe entreguei um novo par de coturnos para não comprometer a sua apresentação pessoal; providenciei meios para que chegasse em calmos remansos, ainda que tivesse que atravessar mares revoltos.

Agora não mais ouço a corneta, não visto a farda, não entro em forma para as cerimônias e não canto as canções militares; não me entrincheiro e as minhas rondas e patrulhas estão apenas nas lembranças; não mais posso cuidar de homens e mulheres de farda, apesar de ainda, mesmo à distância, angustiar-me com as suas dificuldades e sofrer com as suas perdas.

Contudo, o término desse dia se deu apenas na aparência.

Não, ele não se encerrou quando anoiteceu e o calendário marcava 09 de agosto de 2013, os meus últimos instantes no serviço ativo.

Continuo um soldado e nunca deixarei de sê-lo porque ser soldado é um estado de espírito; isso não é algo superficial e passageiro: é profundo e, como tal, está incrustado na alma!

Assim como ficaram as lembranças das rondas e das patrulhas, também guardo a sensação de que pertenci a uma corporação imprescindível para um mundo civilizado e, assim sendo, eu fui muito importante.

Os meus antecessores foram importantes, eu fui importante e você, que ainda se põe de pé ao toque da alvorada, que vinca a sua farda e engraxa o seu coturno, que faz as rondas e as patrulhas nas madrugadas protegendo e socorrendo aquelas desconhecidas pessoas ou que desenvolve as ações de retaguarda que vão dar tranquilidade aqueles que estão nas linhas de frente, você é imprescindível.

Em uma certa ocasião, eu já havia mencionado as palavras retiradas de um poema escrito por Charles M. Province e que o sr Barack Obama, então presidente dos Estados Unidos, as citou no seu discurso na cerimônia do "memorial day" de 30/05/2012.

Quero mencioná-las novamente.

Disse ele: "…É graças aos soldados, e não aos sacerdotes, que podemos ter a religião que desejamos. É graças aos soldados, e não aos jornalistas, que temos liberdade de imprensa. É graças aos soldados, e não aos poetas, que podemos falar em público. É graças aos soldados, e não aos professores, que existe liberdade de ensino. É graças aos soldados, e não aos advogados, que existe o direito a um julgamento justo. É graças aos soldados, e não aos políticos, que podemos votar…"

Mesmo em um outro contexto, posso afirmar que é graças aos nossos soldados, e não aos juízes, legisladores ou qualquer outro, que a guerra da atualidade, aquela mesma travada diariamente nas ruas hostis das cidades, não foi perdida. É graças aos soldados, e não aos teóricos de escrivaninhas ou aos especialistas de jornais, televisões e outros segmentos, que ainda temos alguém para nos proteger e socorrer quando ninguém mais está disponível ou não pode fazê-lo.

Por isso, acredite, soldado, você é o último recurso, a última esperança e onde quer que esteja, você é muito importante para a sobrevivência de uma sociedade.

E, quando o seu dia aparentemente terminar depois de uma jornada de trinta e um anos, tenha a felicidade de também poder dizer, assim como eu disse: "foi um dia maravilhoso no qual tive a honra e o privilégio de servir, lutar e ombrear com milhares de combatentes de inquestionável nobreza.

Com muito orgulho, vesti a minha farda e a honrei nessas mais de duzentas e setenta mil horas no serviço ativo".

Avante, camaradas!     

 

Texto de Dejanir Braz Pereira da Silva

Coronel da Reserva da Polícia Militar do Espírito Santo

 

 

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