Governo do Estado do Espírito Santo
06/08/2021 17h26 - Atualizado em 06/08/2021 17h37

Cabo da PMES retorna da missão da ONU no Sudão do Sul

A cabo da Polícia Militar do Espírito Santo, Lorena Lima Daleprane, retornou no último mês da missão de paz das Organizações das Nações Unidas (ONU) no Sudão do Sul. Trouxe em sua bagagem muitas experiências e o sentimento de dever cumprindo. Com seu retorno a militar volta às atividades na Instituição, atuando hoje na Diretoria de Direitos Humanos e Polícia Comunitária (DDHPC).

Sua jornada começou em setembro de 2019 quando foi desdobrada como Unpol na Unmiss, missão de paz da ONU no Sudão do Sul, após um longo processo seletivo e de preparação.

Depois de ter feito o curso introdutório em Juba, capital do país e sede da Missão, foi transferida para a cidade de Bentiu, local que acomodava o maior Campo de Proteção de Civis (Protection of Civilian Camp) do mundo, sendo hoje o maior Campo de Deslocados Internos (Displaced Person), com uma população em torno de 130 mil habitantes. O Campo de Proteção de Civis é um local tutelado pela ONU, onde são acolhidas as pessoas deslocadas pela guerra. Os Campos de Deslocados Internos são para os que migram dentro do próprio território do país fugindo das guerras.

Inicialmente, começou realizando um trabalho de patrulhamento ostensivo, como todo Unpol da missão. Mas em menos de dois meses, foi admitida na Polícia Comunitária, passando a lidar diretamente com a população local, participando de reuniões para atender as demandas de líderes comunitários e religiosos, guarda comunitária e também com a polícia local, além de realizações de seminários e pequenos cursos de capacitação.

Após seis meses de missão, aprovada em outro processo seletivo, foi transferida para o Centro de Operações Integradas (Joint Operations Centre), como elo entre a seção e as unidades policiais da ONU. O JOC fica em Juba, local onde continuou estreitando os laços com outra parcela da sociedade, permanecendo até o fim da missão, por 1 ano e 3 meses.

Em sua última posição ocupada, tinha como principais funções manter consciência situacional de toda a missão, coordenar casos de extração de pessoas feridas do campo e transferência hospitalar, ser o elo do componente policial e os demais setores da missão, autoridades e comunidade.

A experiência com a Escola Exodus International Academy

Em 24 de julho de 2020, durante visitas à comunidade de Jonduru em Juba, ao chegar à escola Exodus International Academy, a cabo Daleprane conheceu o diretor do estabelecimento, Sokiri Ambamba George.

Ele, ao identificar a bandeira brasileira no fardamento, entrou em um dos cômodos da escola e voltou com uma bandeira do Brasil. A primeira impressão que a cabo Daleprane teve era que se tratava de um fã de futebol, mas “a grata surpresa foi descobrir que ele amava os brasileiros que haviam passado pela missão. Ele disse: esses aqui são os “Brazilian rooms”, ou melhor, salas de aulas brasileiras. Ele contou o quanto amava o Brasil e os brasileiros”, salientou Daleprane.

O diretor contou que a então major da PM de São Paulo Fernanda Santos, hoje tenente-coronel, que esteve na missão previamente, muito fez para ajudá-los e que ela havia sido a responsável pela construção de duas das melhores dependências daquela humilde escola. Contou também como isso tem ajudado a comunidade desde então.

Essa história tão emocionante fomentou na cabo Daleprane o desejo de dar continuidade a um legado que começou em 2018. No entanto, não seria um projeto assim tão simples. “Muitas vezes a vontade de ajudar existe, porém não é tão fácil botar em prática. A língua, cultura, recursos, mão de obra e acesso aos melhores preços e principalmente levantamento de verbas são barreiras que incrementam ainda mais esse desafio”, destacou a militar.

Levantamento de recursos

“O primeiro passo foi fazer contato com a pioneira, que já se encontrava no Brasil, porém ainda ligada pelo coração à missão, para buscar orientação e evitar cair em erros básicos de quando temos boas intenções, porém pouca experiência. Os desafios eram muitos, a começar que naquela época, o levantamento de fundos era feito por meio de eventos sociais, comumente festas temáticas entre os componentes da missão, mas em tempos de pandemia, essa não era uma opção”.

À medida que me envolvia com aquela comunidade, os laços se estreitaram. Cresceu o desejo de fazer a diferença para aquela pequena parcela da população.

“Pela natureza do meu trabalho, que em parte consistia em contato direto com a população, tive a oportunidade de dar forma a um projeto de construção de uma sala de aula. Encorajada pelos amigos próximos, lancei uma ação entre amigos dentro da missão. Não só os policiais, mas também os militares e civis brasileiros foram aderindo à causa. Além disso, a tenente-coronel Fernanda passou a arrecadar dinheiro no Brasil e posteriormente fez chegar até nós”, ressaltou Lorena.

A ideia inicial seria fazer um cômodo temporário, de pau a pique e telhas de metal, um modelo bem comum por lá. Além disso, não havia muitos contribuintes e os orçamentos não eram baratos. Porém, houve a rotação do contingente policial e militar, que passou a aderir ao projeto.

“À medida que as contribuições foram crescendo, o sonho se tornou maior. Foi feita uma parceria com o Batalhão de Engenheiros da Tailândia, que se ocupou da mão de obra, enquanto os brasileiros arcaram com os materiais. Então, o projeto passou a ser de uma sala de aula permanente, feita de alvenaria”, destacou.

Mãos à obra

Como em missão nada é tão simples, todas as fases do processo foram envoltas de muitas emoções. Durante a execução da etapa de aquisição dos materiais para a reforma da sala, a cabo Daleprane, o capitão Igor, que passou a somar no projeto, e o diretor George, começaram a ter dificuldades.

“Ao chegar à loja, o valor foi muito além do esperado. Em tempos de pandemia e inflação alta, o projeto tornou-se ainda mais desafiador. Mas graças a muita procura, paciência e negociação, foi possível adquirir o material por um valor razoável”, contou Daleprane.

O que parecia intangível se tornou realidade, foi construída uma sala. E à medida que era concretizada, alguns estrangeiros amigos, empolgados com a efetivação do projeto, também passaram a contribuir, sendo eles dos Estados Unidos, Coréia do Sul e Romênia. “Como a arrecadação excedeu as primeiras expectativas, foi possível fazer a sala de aula e somada a mais essa ajuda, iniciamos um novo projeto”.

Havia na escola quatro salas de aulas geminadas de 18m x 5m, cujo telhado estava muito precário. Com a chegada da estação chuvosa, a situação se agravou e muitas vezes a aula tinha que ser interrompida, pois os estudantes acabavam se molhando e estragando seu material, transtornando todo o ambiente escolar. Mesmo com vários percalços pelo caminho, foi possível concluir mais essa etapa.

A inauguração foi sob sol quente, mas num clima de comemoração contagiante. “Além de mim e do capitão Igor, do Exército Brasileiro (EB), a cerimônia também contou com a participação do major EB Brasil e do capitão EB Kilian, quem conduziu. A comunidade compareceu em peso e a programação foi muito emocionante com direito a apresentação cultural dos alunos. Entre amigos de jornada, celebramos a paz plantando sementes de prosperidade. Ao proporcionar meios de educar essa comunidade tão sofrida, nitidamente ficou impregnada a sensação ímpar de propagação da corrente do bem e de que a união faz a força, e de ter aproveitado a chance de perpetuar um pedacinho do melhor que temos em nós aqui naquela terra sofrida. E mesmo que pareça muito pouco, já é um passo à frente e dá a esperança de um futuro melhor”, descreveu a cabo Daleprane.

Sentimento

“Sinto que tive uma oportunidade única e agarrei com muita vontade. Despedi-me da missão com a sensação maravilhosa de dever cumprido. E o privilégio de ter executado um projeto tão especial que surgiu no meio do caminho. E pra mim, foi a prova de que nada é impossível quando nos unimos por um propósito nobre.

Entendi que missão de paz ocorre em qualquer lugar que a gente estiver se doando para um bem maior, por amor ao próximo. Não precisa ir tão longe, podemos fazer isso aqui mesmo, no dia de hoje. É só olhar à nossa volta, tem tanta gente precisando de um casaco, um prato de comida, até mesmo uma palavra ou um ombro amigo aqui mesmo na cidade. Agora, “espero retomar a minha missão de paz daqui e que essa história inspire mais pessoas a se doarem também”, recordou emocionada.

Confira o vídeo com a cabo Daleprane no youtube

https://www.youtube.com/watch?v=xBi5vtgZTFU&t=4s 

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